domingo, 26 de abril de 2015

O Voo [conto]

garoto se jogando no ar

Ele chegou com os braços meio erguidos como uma ave que quer levantar voo ou como se tivesse feridas no sovaco.

“Como vão as coisas?”, perguntou. Mas a verdade é que ele não dava a mínima pra como as coisas iam. Mas eu não o culpo. É que ele estava sempre muito ocupado na academia, malhando, para poder realmente se preocupar com mais alguém que não seja ele mesmo. O cérebro dele também anda atrofiando há anos por falta de uso.

“Bem”, mentira. “E com você?”, eu também não dava a mínima para ele ou com o que acontecia na sua vida. Mas é melhor ser educado, embora às vezes seja preciso um trabalho danado pra isso. 

“Você viu a Liana?”

Eu percebo que ele não respondeu a minha pergunta. Como eu disse o cérebro dele está atrofiando. Mas como eu não me importo com a resposta, prossigo.

“Não.”

“Ok, então tchau.”

“Até mais”, espero que não.

Ele sai. Eu olho ele de costas indo embora. Corpo malhado. Pele bronzeada. Andar másculo, com personalidade. O tipo de pessoa que tem o que costumam chamar de “presença”. Mas isso era uma ilusão. Ele não consegue manter uma conversa minimamente interessante com ninguém.

Suspirei na minha resignação. Liana era sua próxima vítima. E eu sabia que ela viraria mais um nome na lista dele. Embora ele não conseguisse organizar nenhum argumento lógico na sua cabeça que conseguisse convencer um peixe a nadar, por algum motivo ele conseguia todas as mulheres que queria. 

Pensei mais um instante sobre isso. Psicologia. Biologia. Cheguei a conclusão que a idiotice é supervalorizada hoje. Não, melhor. A estupidez foi privilegiada durante a nossa evolução.

Suspiro de novo. Percebo que tenho que parar com essa mania.

Volto a fazer o que quer que tivesse fazendo. Não faz diferença, eu detesto.

Eu deveria ter nascido estupido como uma porta, concluo. Assim eu poderia gastar meu tempo com coisas estupidas que me fariam feliz, porque eu estaria encaixado nessa sociedade estúpida.

Mas não. Eu criei uma lamentável consciência da estupidez que é viver.

“A ignorância é uma benção.”

“O que?”, era a minha colega.

“Nada. Estou saindo. Vou me matricular na academia.”

Ai saí de lá, com os braços um pouco erguidos como se quisesse levantar voo.

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